domingo, 17 de fevereiro de 2008

Cloverfield

Eis um bom exemplo do que uma boa publicidade é capaz de fazer. Por vezes, menos é mais e tudo o que fica por dizer suscita uma maior curiosidade do que uma exposição muito detalhada sobre o que está a ser apresentado. Quando o filme surgiu nos EUA pouco ou nada se sabia sobre o mesmo, agora que já se passeia pelas salas europeias, já se foi levantando um pouco do véu, mas nada nos prepara para aquilo que iremos testemunhar no ecrã.

Confesso que sempre tive alguma curiosidade sobre o filme por duas razões, a primeira o pouco que era divulgado, o que aguçava assim a curiosidade, a segunda razão, o nome do criador e produtor, J.J. Abrams. Para quem não sabe, este senhor é o responsável por duas das melhores séries de sempre, A Vingadora e Perdidos. Pode não ser um grande realizador, como se viu em Missão Impossível 3, mas como criador de conceitos de entretenimento, neste momento não há ninguém melhor.

O excesso de publicidade que o mercado publicitário português decidiu fazer acabou por me afastar um pouco da possibilidade de o ver. Vejam bem que até o Metro Lisboa oferecia bilhetes para sessões feitas nas suas estações. Comecei a temer que fosse mais um caso de muito barulho por nada, uma vez que aquilo que consideram original no filme, afinal não o é verdadeiramente. Filmes de catástrofes existem muitos, e se pensarmos num filme sobre uma criatura que se passeia e destrói uma cidade basta lembramo-nos de Godzilla. Mas o que torna Cloverfield diferente de um qualquer filme ao estilo de Godzilla prende-se com o uso de uma câmara digital de forma amadora, para nos mostrar aquilo que alguém conseguiu filmar no meio daquele acontecimento. Pois bem, isto também não é único, basta pensarmos em O Projecto Blair Witch. Apesar de tudo, a junção destes conceitos, resulta num filme único e diferente de tudo o que já se viu em cinema. Se o uso de imagens amadoras nos provoca por vezes alguma sensação de enjoo devido a todos os abanões e cortes, a verdade é que esta técnica resulta de forma muito eficaz em transportar-nos para a posição das personagens. Só vemos aquilo que elas vêem e, por vezes, é mais assustador aquilo que não se vê do que o que nos é apresentado.

As cenas de acção são intensas e difíceis de ignorar. A cada cena pensamos que dali para a frente nada será melhor, mas o realizador parece decidido em surpreender-nos a cada minuto que passa. Se de início o filme parece algo pachorrento e exige uma certa paciência, a verdade é que assim que começa a acção, deixamos de ter permissão para respirar. Vivemos em pouco mais de uma hora, uma descarga de energia que não nos abandona quando saímos.

Nome de Código: Cloverfied é uma experiência de cinema e por isso mesmo, não é filme para se ver em dvd, uma vez que não há plasma e sistema de som que lhe consiga fazer a justiça que só uma sala de cinema consegue. Assim sendo, ainda bem que decidi atirar com todas as minhas reservas para trás dos ombros e deixar-me levar para a sala. De certeza que se algum dia o visse em dvd não me perdoaria pela experiência que tinha perdido. Finalmente um filme de puro entretenimento que nos enche as medidas…

E certamente que muito em breve teremos as inevitáveis imitações :S


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

In the Valley of Elah

Era uma vez um rapaz chamado David que, contra tudo e contra todos, decidiu engolir o seu medo e enfrentar um gigante. No vale de Elah, David venceu Golias e o mundo que conhecia mudou para sempre. O menino tornou-se homem…

Este é apenas o segundo filme de Paul Haggis, mas dada a qualidade do primeiro, o oscarizado Colisão, a curiosidade em relação a este No Vale de Elah é mais do que justificada. E Paul Haggis não desilude. Não tem certamente o mesmo impacto de Colisão, mas é um filme ao qual é difícil ficar-se indiferente.

A história tem como pano de fundo a guerra no Iraque, considerada por muitos como o Vietname dos nossos dias. Uma guerra sem justificação nem fim à vista, que mais não faz do que mutilar famílias e destruir corações. Não se enfrentam gigantes sem que a nossa percepção do mundo se altere. Quem consegue regressar jamais será a pessoa que partiu. Uma geração que vai perdendo parte da sua humanidade. No final do filme, quando o peito ainda está apertado, por tudo o que se viu e sentiu, e tendo ainda bem presente a mensagem do arrepiante plano final, Haggis mostra uma pequena dedicatória. Uma foto, certamente a que deu origem à história que acabou de ser contada e uma frase: “Para todas as crianças.” Porque aqui não há distinções. É no nascimento e na morte que nos revelamos iguais. É de lamentar as crianças iraquianas que morrem neste conflito insano, mas também, as crianças americanas a quem são dadas armas e inimigos sem rosto.

Tommy Lee Jones é o sargento Deerfield a quem é comunicado que o seu filho está desaparecido desde que a sua companhia regressou aos Estados Unidos. A busca pela verdade começa. De início, um pai que procura um filho desaparecido, de seguida um pai que busca justiça para um assassinato. Cedo ficamos a saber que Mike está morto e que ao contrário do que se imaginaria, morreu no seu país quando já não estava em combate. Facilmente Haggis poderia tornar esta história num thriller moralista, mas o que lhe interessa, mais do que os actos, são as pessoas por detrás deles. Quem somos verdadeiramente e quais os botões que quando premidos despoletam a nossa mudança. Assim, não nos é apresentada qualquer personagem fácil, apenas seres complexos e com defeitos e, por isso, infinitamente humanos.

Os actores são de alto calibre e como tal, boas performances são mais do que garantidas. Charlize Theron agarra com unhas e dentes uma personagem que nas mãos de outro realizador seria certamente um novelo de estereotipos, a detective responsável pelo caso do assassinato de Mike. Susan Sarandon, por sua vez, interpreta a mãe do jovem, e apesar de só aparecer durante cerca de 10 minutos ao longo de todo o filme, a sua interpretação é arrepiante, sendo o contraposto perfeito para a personagem de Lee Jones.

Mas, depois de tudo isto, há algo que é preciso realçar. Tommy Lee Jones. Por muito bom que o filme seja, a sua interpretação é o elemento que ficará gravado a ferros na memória. O seu sargento Deerfield é um exercício de contenção absolutamente esmagador. Cada rasgo de dor parece ainda mais doloroso porque ele não o exprime. A sua interpretação é tão complexa e carregada de nuances que é difícil avaliá-las a todas. Numa cerimónia em que o Óscar de melhor actor parece mais do que destinado a Daniel Day Lewis, arrisco-me a dizer que não me espantaria se Tommy Lee Jones se revelasse a surpresa da noite.

Julgamos conhecermo-nos uns aos outros e por isso deixamos de nos ouvir. Fazemos das nossas crenças leis. Olhamos em frente para não nos desviarmos do caminho. Ignoramos quem nos chama. E por vezes os gritos de ajuda são meros sussurros ao ouvido. Se ao menos parássemos para lhes prestar atenção… Numa palavra, assombroso.